Estudo de Livros
Quando consideramos o estudo
é muito natural pensarmos em livros ou outros escritos. Embora constituam
apenas metade do campo, conforme afirmei anteriormente, e a metade mais óbvia,
eles são muito importantes.
Infelizmente, muitos parecem
pensar que estudar um livro é tarefa simples. Não há dúvida de que a atitude
petulante explica o motivo dos pobres hábitos de leitura de muitas pessoas. O
estudo de um livro é matéria extremamente complexa, de modo especial para o
novato. Como no tênis ou na datilografia, quando se aprende a matéria pela
primeira vez, parece haver mil detalhes a serem dominados e a pessoa se
pergunta como é possível a um pobre mortal conservar tudo em mente ao mesmo
tempo. Contudo, uma vez que se adquire proficiência, a mecânica torna-se uma
segunda natureza e a pessoa pode concentrar-se no jogo de tênis ou no material
a ser datilografado.
A mesma coisa se verifica com
o estudo de um livro. O estudo é uma arte exigentíssima que envolve um
labirinto de pormenores. O principal obstáculo é convencer as pessoas de que
elas devem aprender a estudar. A maioria das pessoas supõe que pelo fato de
saberem ler as palavras, sabem por isso mesmo estudar. Esta limitada
compreensão da natureza do estudo explica por que tantas pessoas beneficiam-se
tão pouco da leitura de livros.
Três regras intrínsecas e
três extrínsecas comandam o estudo bem-sucedido de um livro.
As regras intrínsecas podem,
no começo, necessitar de três leituras separadas, mas com o tempo elas podem
ser feitas simultaneamente.
A primeira leitura envolve entender o livro: o que
é que o autor está dizendo?
A segunda leitura envolve interpretar o livro: o
que é que o autor quer dizer?
A terceira leitura envolve avaliar o livro: está
o autor certo ou errado?
A tendência de muitos de nós é no sentido de fazer a
terceira leitura e freqüentemente nunca fazer a primeira e a segunda. Fazemos
uma análise crítica de um livro antes de entendermos o que ele diz. Julgamos um
livro certo ou errado antes de interpretarmos seu significado.
Todavia, as regras
intrínsecas de estudo são, em si mesmas, insuficientes. Para ler com êxito,
precisamos dos auxílios extrínsecos da experiência, de outros livros e da
discussão ao vivo.
A experiência é o único meio
de podermos interpretar o que lemos e de relacionar-nos com o que lemos. A
experiência que foi entendida e foi alvo de nossa reflexão, informa e ilumina
nosso estudo.
No que se refere a livros,
podemos incluir dicionários, comentários e outra literatura interpretativa,
porém mais significativos são os livros que precedem ou favorecem o problema
que está sendo estudado. É freqüente que os livros tenham significado somente quando
lidos em relação com outros livros. Por exemplo, as pessoas acharão quase
impossível entender Romanos ou Hebreus sem base na literatura do Antigo
Testamento. Os grandes livros que se dedicam aos problemas principais da vida
interagem entre si. Não podem ser lidos isoladamente.
A discussão ao vivo refere-se
à interação comum que ocorre entre os seres humanos à medida que perseguem um
determinado curso de estudo. Interagimos com o autor, interagimos uns com os
outros, e assim nascem novas idéias criativas.
O primeiro e mais importante
livro que devemos estudar é a Bíblia. O salmista perguntou: “De que maneira
poderá o jovem guardar puro o seu caminho?” E ele respondeu à sua própria
pergunta: “Observando-o segundo a tua palavra”, e acrescentou: “Guardo no coração
as tuas palavras, para não pecar, contra ti” (Salmo 111:9, 11). Provavelmente a
“palavra” a que o salmista se refere seja a Torá. Os cristãos, através dos
séculos, têm confirmado esta verdade em seu estudo das Escrituras. “Toda
Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a
correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja
perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Timóteo 3:16, 17).
Observe que o propósito central não é pureza doutrinária (embora esta, sem
dúvida, esteja envolvida) mas a transformação interior. Quando vamos à
Escritura vamos para ser transformados, não para acumular informações.
Devemos entender, porém, que
existe uma vasta diferença entre o estudo bíblico e a leitura devocional da
Bíblia. No estudo bíblico dá-se alta prioridade à interpretação: o que
significa. Na leitura devocional, dá-se alta prioridade à aplicação: o que
significa para mim. No estudo, não buscamos êxtase espiritual; com efeito, o
êxtase pode ser um obstáculo. Quando estudamos um livro da Bíblia, buscamos ser
controlados pela intenção do autor. Resolvemos ouvir o que ele diz, e não o que
gostaríamos que ele dissesse. Estamos dispostos a pagar o preço de um dia
estéril após outro, até que o significado nos seja claro. Este processo
revoluciona-nos a vida.
O apóstolo Pedro encontrou
algumas coisas nas epí stolas de “nosso amado irmão Paulo” que eram “difíceis
de entender” (2 Pedro 3:15,16). Se Pedro pensou assim, nós também pensaremos.
Necessitamos de trabalhar no assunto. A leitura devocional diária é,
certamente, recomendável, porém ela não é estudo. Quem estiver buscando “uma
palavrinha do Senhor para hoje” não está interessado na Disciplina do estudo.
A Escola Dominical para o
adulto médio é por demais superficial e devocional para ajudar-nos a estudar a
Bíblia, muito embora algumas igrejas creiam suficientemente no estudo a ponto
de oferecer cursos sérios sobre a Bíblia.
Talvez você more nas
proximidades de um seminário ou de uma universidade onde pode freqüentar cursos
como ouvinte. Neste caso, você é feliz, especialmente se encontrar um professor
que distribua vida bem como informações. Se, porém, esse não for o caso (e
mesmo que o seja), você pode tomar algumas providências para começar o estudo
da Bíblia.
Algumas de minhas mais
proveitosas experiências de estudo vieram mediante a estruturação de um retiro
privado para mim mesmo. Em geral isto leva de dois a três dias. Sem dúvida você
objetará que devido ao seu horário, não lhe é possível encontrar o tempo
necessário.
Quero que você saiba que não
é mais fácil para mim conseguir esse tempo do que para qualquer outra pessoa.
Luto e esforço-me por conseguir cada retiro, programando-o em minha agenda com
muitas semanas de antecedência.
Para muitos, um fim de semana
é uma boa oportunidade para tal experiência.
Outros podem arranjar algum
tempo no meio da semana. Se apenas um dia for possível, com freqüência o
domingo é excelente.
O melhor lugar é o que
estiver longe de casa. Deixar a casa não só nos liberta do telefone e das
responsabilidades domésticas, mas também dispõe nossa mente para uma atitude de
estudo. Alguns locais como hotéis, chalés, cabanas, funcionam bem. Acampar é
menos desejável visto que a gente se distrai com outras atividades.
Retiros de grupos quase nunca
levam o estudo a sério, por isso você precisará, certamente, de organizar seu
próprio retiro. Uma vez que você está sozinho, terá de disciplinar a si mesmo e
a seu tempo com cuidado. Se você é novo no assunto, não vai querer exagerar e
dessa forma esgotar-se. Com experiência, porém, você pode esperar realizar umas
dez a doze horas de bom estudo cada dia.
Além de estudar a Bíblia, não
se esqueça de estudar alguns dos clássicos experienciais da literatura cristã:
Confissões de Sto. Agostinho.
Imitação
de Cristo, de Thomas de Kempis.
The Practice of the Presence of
God (Prática da Presença de Deus), do Irmão Lawrence.
The Little Flowers of St. Francis (As Florezinhas de S. Francisco), pelo Irmão
Ugolino. Talvez
Pensamentos, de Pascal.
Table Talks (Conversas à Mesa), de Martinho
Lutero
Instituição da Religião Cristã, de Calvino.
The Journal of
George Fox (Diário de George Fox),
Diário de João
Wesley.
A Serious Call to a Devout and Holy Life (Apelo a uma
Vida Devota e Santa), de William Law (as palavras dessa obra trazem um tom
contemporâneo).
A Testament of Devotion
(Testamento de Devoção), por Thomas Kelly;
The Cost of Discipleship (O Custo do
Discipulado), por Dietrich Bonhoeffer,
A Essência do Cristianismo Autêntico,
de C. S. Lewis.
Lembre-se de
que a chave da Disciplina do estudo não é ler muitos livros, mas ter
experiência daquilo que lemos.
Estudo de “Livros não Verbais”
Chegamos ao menos reconhecido
mas talvez o mais importante campo de estudo: a observação da realidade nas
coisas, nos acontecimentos e nas ações. O ponto mais fácil por onde começar é a
natureza. Não é difícil ver que a ordem criada tem algo para ensinar-nos.
Isaías diz que “... os montes
e os outeiros romperão em cânticos diante de vós, e todas as árvores do campo
baterão palmas” (Isaías 55:12). A obra das mãos do Criador pode falar a nós e
ensinar-nos, se estivermos dispostos a ouvir.
Começamos o estudo da
natureza prestando atenção. Vemos flores ou pássaros.
Observamo-los cuidadosa e
reverentemente. André Gide descreve a ocasião em que, durante uma aula,
observou uma mariposa que saía de sua crisálida. Ele se encheu de maravilha,
espanto e alegria em face desta metamorfose, desta ressurreição. Todo
entusiasmado ele mostrou-a ao professor que respondeu com uma nota de
desaprovação: “Grande coisa! Não sabia você que a crisálida é o envoltório da
borboleta? Toda borboleta que você vê surgiu de uma crisálida. É perfeitamente
natural.” Desiludido, Gide escreveu: “Sim, de fato, eu conhecia História
Natural também, talvez melhor do que ele... Mas, pelo fato de ser natural, não
podia ele ver que era maravilhoso? Pobre criatura! A partir desse dia, senti
pena dele e aversão a suas lições.” Quem não sentiria? O professor de Gide havia
apenas acumulado informações; ele não havia estudado. Por isso, o primeiro
passo no estudo da natureza é a observação reverente. Uma folha pode falar de
ordem e variedade, de complexidade e de simetria. Evelyn Underhill escreveu:
“Concentre-se, como os exercícios
de recordar ensinaram-lhe a fazê-lo. Depois, com atenção e, não mais disperso
entre os pequenos acidentes e interesses de sua vida pessoal, mas equilibrado,
ereto, pronto para o trabalho que você demandará desse mister, procure
alcançar, por um distinto ato de amor uma das miríades de manifestações da vida
que o circunda, as quais, de uma forma costumeira, dificilmente você nota, a
menos que aconteça você necessitar delas.
Lance-se a ele; não atraia a
imagem dele para você. Atenção deliberada - mais ata, apaixonada - uma atenção
que logo transcende a consciência de si mesmo, como separada da coisa vista e a
esta assistindo; esta é a condição do êxito.
Quanto ao objeto de
contemplação, pouco importa. Dos Alpes ao inseto, tudo é válido, contanto que sua
atitude seja reta; pois todas as coisas neste mundo que você deseja alcançar
estão ligadas umas às outras, e uma delas verdadeiramente apreendida será a
porta para as restantes.”
O passo seguinte é fazer-se
amigo das flores, das árvores e das pequenas criaturas que rastejam pela terra.
Como o Dr. Doolittle da fábula, converse com os animais. Está claro que não
podemos, em realidade, conversar com eles... ou será que podemos? Há, por
certo, uma comunicação que ultrapassa as palavras - os animais, até mesmo as
plantas, parecem responder à nossa amizade e compaixão. Sei disto porque já fiz
experiências neste sentido, e também o fizeram alguns cientistas de primeira, e
temos verificado que é verdadeiro.
Disto podemos estar certos: se amarmos a
criação, aprenderemos com ela. Em Os irmãos Karamazov, Dostoievski aconselhou:
“Ame toda a criação de Deus,
o todo e cada grão de areia que nela há. Ame cada folha, cada raio de luz de
Deus. Ame os animais, ame as plantas, ame tudo. Se você amar tudo, perceberá o
mistério divino nas coisas. Percebido o mistério, você poderá compreendê-lo
melhor cada dia.”
Há, naturalmente, além da
natureza muitos outros “livros” que deveríamos estudar. Se você observar as
relações que ocorrem entre os seres humanos, receberá uma educação de nível
pós-graduação. Veja, por exemplo, quanto do que falamos visa a justificar
nossas ações. Achamos quase impossível agir e deixar que o ato fale por si
mesmo. Não; devemos explicá-lo, justificá-lo, demonstrar sua justeza. Por que
sentimos esta compulsão de explicar tudo direitinho? Por causa do orgulho e do
medo. Nossa reputação está em jogo!
Esse traço é particularmente
fácil de observar entre vendedores, escritores, pregadores, professores - todos
quantos ganham a vida fazendo bom uso das palavras. Se porém, fizermos de nós
mesmos um dos principais assuntos de estudo, aos poucos nos livraremos da
arrogância. Seremos incapazes de orar como o fariseu: “Ó Deus, graças te dou
porque não sou como os demais homens...” (Lucas 18:11).
Atente bem para os
relacionamentos comuns que você encontra durante o dia: em casa, no trabalho,
na escola. Note as coisas que controlam as pessoas.
Lembre-se: você não está
tentando condenar ou julgar ninguém; você está apenas procurando aprender.
Conforme mencionei acima, nós
mesmos deveríamos conhecer as coisas que nos controlam. Observe seus
sentimentos interiores e variações de ânimo. Que é que controla seus ânimos?
Que é que você pode aprender daí a respeito de si mesmo?
Ao fazer tudo isto, não
estamos tentando tomar-nos psicólogos ou sociólogos amadores. Nem estamos obcecados por excessiva introspecção. Estudamos essas matérias com espírito de humildade e tendo necessidade de uma grande dose de graça. Desejamos apenas
seguir a máxima de Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo.” E mediante o bendito
Espírito Santo esperamos que Jesus seja nosso Mestre vivo e sempre presente.
Faríamos bem em estudar instituições
e culturas, bem como as forças que as modelam. Deveríamos, também, ponderar
sobre os acontecimentos de nosso tempo - notando primeiro, com espírito de
discernimento, o que nossa cultura pensa ser ou não ser um “grande
acontecimento”. Examine os sistemas de valor de uma cultura - não o que as
pessoas dizem ser, mas o que realmente são. E um dos mais nítidos meios de ver
os valores de nossa cultura é observar os comerciais de televisão.
Faça perguntas. De que se
constituem o ativo e o passivo de uma sociedade tecnológica? Por que achamos
difícil, em nossa cultura, encontrar tempo para desenvolver relacionamentos?
É
o individualismo Ocidental valioso ou destruidor?
Que elementos, em nossa
cultura, estão alinhados com o evangelho, e quais estão em desacordo? Uma das
mais importantes funções dos profetas cristãos de nossos dias é perceber as
conseqüências de várias invenções e de outras forças culturais e formular
juízos de valor a respeito delas.
O estudo produz alegria. Como
todo novato, acharemos difícil trabalhar no começo. Mas quanto maior nossa
proficiência, tanto maior nossa alegria.
Alexander Pope disse: “Não há
estudo que não seja capaz de deleitar-nos depois de uma pequena aplicação a
ele.” O estudo é digno de nosso mais sério esforço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário